Passou toda a sua vida escutando sirenes. Desde jovem, quando tirou carta e ainda antes de ter passado num concurso público, ouvir sirenes era saber que a vida acontecia lá fora. Depois, as sirenes passaram a ser o meio com o que ele poderia salvar vidas.
Aquele barulho alto e repetitivo significava a vida de alguém que ele estaria levando na parte de trás do carro que dirigia, junto com mais três ou quatro pessoas trabalhando para manter a pessoa sendo levada sempre nas melhores condições possíveis. Foi assim sua vida toda.
Até o começo do mês, quando se viu obrigado a continuar no serviço de salvar vidas a que tinha prometido cumprir e dedicar a sua própria vida. EPI’s começaram a faltar, mas pessoas continuaram ligando. Tossindo, passando mal. Continuou buscando essas pessoas e levando ao hospital de campanha, mesmo sem EPI.
A febre e falta de ar começou há seis dias. Ele sabia, pelo que via dos pacientes que buscava, que em poucos dias as coisas ficariam difíceis para ele. E ficaram.
Na manhã de domingo, enquanto lutava pela vida, ali ele entendeu. Era o fim. Não havia mais esperança. Nada além da luta que seus pulmões faziam para puxar o ar, e seu corpo começava a sentir o esforço em cada músculo.
A última coisa que ouviu foram os esforços dos médicos e enfermeiros com os aparelhos de respiração, e as buzinas do lado de fora do hospital.
Sim. Buzinas.
As pessoas lá fora queriam continuar com suas vidas normalmente, e faziam uma carreata, levando seus carros e causando um tumulto na frente do hospital. O contraste se formou em sua mente, nos últimos sopros de vida, a diferença entre as buzinas e sirenes.